terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Parte 3

3 - Rivais



Amilias, que era também um ferreiro muito talentoso, logo sentiu inveja de Wieland e tentou rebaixá-lo, dando-lhe serviços degradantes. Mas Wieland sabia como transformar lâminas de espadas totalmente enferrujadas e quebradiças em ferros inteiriços e brilhantes. 
Certa vez o rei gostou tanto de um trabalho realizado por Wieland que lhe disse:  
- Apenas um ferreiro consegue fazer esse trabalho: o ferreiro Wieland. Dizem que ninguém o iguala - então você, Goldbrand, é o único que pode equiparar-se a ele.  
Isso acirrou a inveja de Amilias e logo começaram as brigas, uma ofensa aqui, outra ali, até que o próprio rei resolveu interferir e propôs uma competição. Amilias deveria fabricar um capacete tão resistente que nenhuma espada tivesse condições de fendê-lo, e Goldbrand uma espada que partisse o mais forte capacete. Os dois adversários concordaram. Se o capacete de Amilias resistisse à espada de Goldbrand, este morreria, mas se a espada de Goldbrand rachasse o capacete de Amilias, era este que perderia a vida. Os dois ferreiros poderiam trabalhar em suas peças durante um ano.  
Amilias logo começou a trabalhar e não largou o fole nem de dia e nem de noite. Wieland não se preocupou, e começou a trabalhar apenas um dia antes da prova. Quando terminou a espada, o rei disse que queria vê-la.  
- É uma bela espada. Só não entendo como conseguiu fazê-la em tão pouco tempo. Pois disseram-me que você ficou fazendo outras coisas ou então ficou por aí à toa sem fazer nada.
  - Acho - retrucou Wieland - que ela ainda não está boa. Vamos experimentá-la. - Foi até um riacho e jogou um punhado de algodão na água, que foi levado pela correnteza até o fio da lâmina da espada. O algodão foi cortado ao meio, mas por uma fração de segundo parou em frente à lâmina. Então Wieland jogou a espada num monte de ferro-velho e disse:
  - Preciso fazer outra.
  - Uma outra espada? E em tão pouco tempo? Meu bom homem, você deve estar maluco - disse o rei, muito espantado. Wieland deu de ombros e começou a trabalhar. No dia da competição lá estavam os dois, Amilias e Wieland, ambos de bom humor e muito seguro de si, gritando bravatas e ofensas um ao outro, segundo os antigos costumes. Então Amilias colocou seu capacete, posicionou-se diante do adversário e disse irônico:  
- Pode bater com força, seu fanfarrão. Você vai ver! Wieland baixou a lâmina da espada sobre o capacete de Amilias e, mesmo sem usar toda a sua força, atravessou-o como se fosse feito de madeira e enterrou a espada na cabeça do adversário, que caiu morto. O rei e a corte acompanharam a competição estarrecidos e também surpresos, e por fim todos bateram palmas entusiásticas. Batilde também estava lá, mas não demonstrou nenhum interesse.  
Wieland ficou aflito e disse, muito desgostoso:  
- Sinto muito que a sua inveja lhe tenha custado a morte.
- Que obra magnifíca é essa espada! Só o próprio Wieland teria feito uma igual a essa! - exclamou Nidung.
 É, pode ser - retrucou Wieland  e voltou-se novamente com paixão para Batilde, que sem lhe conceder sequer um olhar e um sorriso, retirou-se. O coração de Wieland confrangeu-se de dor.
- Essa espada é digna de um rei, desejaria muito possuí-la - disse Nidung. Wieland percebeu que lhe era dada uma oportunidade de vingar-se, negando-se a atender ao pedido do rei.
- Pode levá-Ia como presente rei Nidung, mas dê-me um tempo para fazer a bainha e ornar o cabo. Wieland não sentia rancor contra Nidung, apesar de ele ter roubado seu anel por causa de Batilde. O rei ficou muito satisfeito e disse:
- Fique aqui conosco, Goldbrand. Já percebi que você não pode ser outro senão Wieland.  
A essas palavras Wieland estremeceu, mas teve de revelar sua verdadeira identidade. Nidung continuou:  
- Fique aqui, mestre Wieland, e não mais como meu ferreiro, mas como meu hóspede. Sente-se à minha mesa ao lado de meus guerreiros e beba, divirta-se e participe das caçadas como se fosse o rei de um país amigo. Colocarei à sua disposição os metais mais nobres e quantos aprendizes e ajuda antes você necessitar para criar o que quiser.  
E assim aconteceu. Daí em diante Wieland viveu entre os nobres e os homens mais honrados da corte de Nidung, mas ainda assim Batilde não lhe concedia nem mesmo um olhar. A paixão o devorava e ele sentia-se muito infeliz.  
Não suspeitava quanta desgraça ainda o esperava. Certo dia um exército de um país vizinho atacou as fronteiras do reino de Nidung e ele partiu com seus homens para combatê-lo. Também Wieland seguia ao lado do rei, montado em seu cavalo Cíntilo. Nidung apressara-se tanto na hora da partida que se esqueceu de uma pedra preciosa, sua pedra de sorte. Quando percebeu que estava sem ela, foi tomado por terrível sensação de impotência. Além disso, acabara de chegar um mensageiro com a notícia de que o exército inimigo era muito superior ao de Nidung. Sem a sua pedra da sorte o rei não tinha coragem de prosseguir, mas a batalha entre os dois exércitos era eminente. Reuniu os seus seguidores mais fiéis e disse muito preocupado:  
- Aquele que me trouxer a pedra antes de iniciar-se a batalha darei qualquer coisa que desejar, mesmo a mão de minha filha!  
No mesmo instante arrependeu-se de ter dito isso, mas não podia voltar atrás, pois Wieland já se oferecera para ir buscar a pedra. O rei zombou da proposta de Wieland, pois não acreditou que fosse capaz de tal façanha. Regin, um dos mais fiéis homens do rei (não se trata do anão da Edda Poética, da "Balada de Regin") que também tinha esperanças de casar-se com Batilde, riu-se de Wieland.  
- Se ele conseguir isso, então o ferreiro Wieland deve ter aprendido a voar, e que eu saiba isto não faz parte do aprendizado dos ferreiros! Wieland confiava em seu maravilhoso cavalo. Saltou para a sela e partiu, e de fato Cíntilo comprovou que era descendente do cavalo Sleipnir, pertencente ao próprio deus Wotan (Óðinn). Cavalgou com a rapidez do vento e em pouquíssimo tempo chegou ao castelo de Nidung. Wieland pegou a pedra e retomou com a mesma velocidade.  
Mas pouco antes de chegar ao acampamento do rei teve de enfrentar um obstáculo. Regin, acompanhado de alguns guerreiros, interceptou-o e quis obriga-lo a dar-Ihe a pedra em troca de muito dinheiro. Mas Wieland apenas riu na cara do adversário, pois estava muito perto de conseguir o que tanto almejava.  
Então Regin e seus guerreiros atacaram Wieland, mas este conhecia o manejo das armas tão bem como seu ofício de ferreiro, cortou a cabeça do traiçoeiro homem e mesmo assim ainda conseguiu chegar ao acampamento real horas antes do início da batalha.  
O rei estava amargamente arrependido de ter prometido a mão de sua filha, e quando soube que Wieland havia matado Regin percebeu que isso era um bom motivo para quebrar sua promessa.  
- Assassino! - gritou para o atônito Wieland. - Você matou ardilosamente o meu mais fiel companheiro! Há de pagar por isso! Um assassino não terá a mão de minha filha! Que os céus me poupem essa desgraça! Suma-se daqui, homem, e nunca mais apareça na minha frente... - E continuou gritando e xingando Wieland, depois de guardar a sua pedra de sorte.  
No começo Wieland ficou sem fala, atônito com o que ouvia, mas depois o ódio dominou-o e ele gritou:  
- Cão miserável, isso é o que você é. Não honra a palavra dada! Que seus inimigos o façam em pedaços amanhã!  
Nunca mais você me verá!  
Subiu para a sela de seu fiel cavalo e foi embora, cego de ódio, pois agora a realização de seu desejo parecia impossível. Mas o anseio por aquela que usava o anel não cessava de atormentá-lo. Dias e noites vagava pelas florestas do país dos Niaros, chegando até as longínquas fronteiras das terras vizinhas. Não conseguia pensar em outra coisa senão em Batilde, de tal maneira que seu juízo começou a ficar perturbado. Já não sabia sequer por onde cavalgava. Tramava planos para raptar Batilde à força, depois de matar Nidung e todos os nobres da corte, planos que ficavam só na fantasia, pois não tinha condições de levá-los adiante. Nem ao menos sabia como terminara a batalha e se Nidung ainda estava vivo. Batilde era cuidadosamente protegida e ele não passava de um homem solitário a quem ninguém ajudava.

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